Depois de feita toda a burocracia e de pintar, lixar, separar o que iria para venda e o que iria para doações, veio o momento de Pilar olhar para aquele lugar e se encantar por ele, olhar e sentir que não era mais uma loja de objetos de segunda mão, era um rito, uma passagem, o túnel, a ponte, a transposição da sua vida, do seu passado, futuro, expectativas, sonhos, esperança.
As roupas estavam cheirando amaciante, os livros sem nenhum vestígio de pó, os vinis estavam prontos a espera de alguém que busca o som perfeito no ruído, o encaixe depois do desencaixe.
Foi quando Pilar deslizando suas mãos pela arara, se deparou com um vestido e se lembrou exatamente o dia frio e nublado em que ela entrou em um beco escuro e úmido querendo cortar o caminho para não se atrasar para buscar os filhos na escola, ela lembrou do Vicolo Dei Cavalieri aquela rua ruazinha, estreita de paralelepípedos gastos pelos séculos de serventia, olhou do lado e deu de cara com uma vitrine com luzes amareladas e paredes revestidas de veludo, pareceu um ambiente aconchegante e misterioso, pensou que pudesse ser uma boa idéia entrar naquela loja riponga com ar medieval, só para descongelar a mão já que fora a temperatura não passava de um digito.
Entrou e não foi atendida pela única vendedora da loja, ela não estranhou, já estava acostumada aos italianos que não cercam os clientes e nem se fazem de íntimo, apenas sinalizam que estão lá para qualquer eventualidade, um contato mais amistoso depende muito de como você se comporta na loja.
Existe toda uma etiqueta social para fazer compras na Italia, nunca vá muito informal (desarrumado), nunquinha peça para um vendedor pegar qualquer peça de uma prateleira ou no estoque se você não estiver bastante seguro que vá levar, não leve criança a não ser que seja uma loja de roupa infantil ou de brinquedos. Fale pouco, fale baixo....
Bom dia!!!!
O cumprimento veio de uma mulher loira sorridente que entrou na loja e tirou Pilar daquele torpor de recordações, Pilar ficou toda animada pensando em se tratar de uma cliente interessada em comprar algo, viu sua expectativa virar pó quando a moça lhe perguntou onde ficava uma determinada Rua.
Depois de dar a informação, elas se despediram, Pilar seguiu a moça com os olhos até que desaparecesse do seu campo visual, agradeceu em silencio por ela ter sido a primeira pessoa a entrar na loja e cortar a fita imaginaria da largada de um novo recomeço.
Comentários